Carlos fazia anos, 42 anos de vida. Carlota ficou desiludida quando ele lhe disse que não podia ir ter com ela para festejarem. Tinha clientes para visitar e tinha uma reunião ao final do dia e depois o seu chefe de equipa agendou um jantar para todo o grupo e aproveitariam para comemorar os seus anos. Prometeu-lhe um fim-de-semana inteiro numa aldeia histórica ou num hotel sensual. Mas Carlota não aceitou. Estava na altura de ir a Lisboa, sorriu perante a sua ideia. Tinha tempo para comprar uma lingerie sensual, tomar um duche rápido e partir. Precisava de estar com ele. Tinham o casamento marcado para daí a 6 meses. Andavam ambos entusiasmados. E tinham planos para uma vida inteira a dois. Carlos tinha decidido que o melhor era ser ele a mudar-se para Coimbra. Ficaria a dormir em Lisboa na sua casa e passariam todos os fins-de-semana juntos e a meio da semana ele também faria um esforço para estar com ela ou ela viria a Lisboa. Tudo parecia perfeito aos olhos de Carlota. Tão perfeito que nunca se interrogou sobre o óbvio.
Fez a viagem sem pressas pois sabia que ele estaria a trabalhar. Conhecia mais ou menos a zona que ele fazia, afinal na empresa não havia segredos!
Chegou ao início da tarde. Sabia onde ele morava, pensava agora porque nunca lhe tinha enviado uma carta de amor perfumada ou um presente via correio! Ainda estava a tempo de o fazer! Era sempre romântico receber algo pelo correio! E quem recebia ficava com um sorriso extra no rosto. Ficou a olhar para o prédio, não se imaginava a morar ali, quase no centro da cidade, onde o trânsito reinava e o barulho era mais que muito. Respirou fundo e sorriu. Não se lembrava muito bem do número do andar. Ficou parada no passeio, tinha que procurar a sua agenda. Lá tinha um cartão com a morada.
Ouvia risadas de uma criança. Como seria um dia ter um filho de Carlos? Seria um sonho tornado realidade. Olhou distraída para o casal que trazia a criança pelos braços. O menino ria sempre que era puxado pelos pais. Voltou a mexer na sua carteira, onde raio estaria a sua agenda?
“-Papá, papá! Leva-me às cavalitas!” – Ouviu a criança gritar num entusiasmo tão contagiante e tão próprio na sua idade.
A agenda podia esperar, aquele quadro que se apresentava à sua frente era enternecedor. Voltou a olhar para o casal. Aquele homem de rosto fixado no seu filho, de onde o conhecia? O casal aproximava-se mais de si…
Deixou cair a carteira, o barulho do trânsito foi silenciado pelo zunido nos seus ouvidos, o seu coração disparou, os seus olhos alagaram-se de água. Levou a mão à boca. Estava cansada da viagem… Mas aquele olhar, aquele olhar com brilho, aquele cheiro, aquele perfume que a perturbava e deixava de pernas a tremer.
“-Não, não pode ser!” – Sussurrou.
A criança parou para a olhar. O homem estava tão chocado como ela.
“-A senhora sente-se bem?” – A jovem mãe perguntava-lhe como é que ela estava. Tinha um ar assustado, colocou-lhe a mão no cotovelo. Sentia que aquela mulher podia cair no chão a qualquer momento.
Carlota abanava a cabeça, as lágrimas lavavam-lhe o rosto. Mexia a boca mas não saía nenhuma palavra audível.
“-A senhora sente-se bem?” – A jovem mãe voltou a perguntar-lhe o mesmo. “-Quer ligar a alguém?”
Carlos olhou Carlota nos olhos. Viu dor e desespero. Olhou para o seu filho e para a sua mulher. Nenhum dos dois se tinha apercebido do porquê do estado daquela mulher.
“-Querida, leva o Guilherme e vai ao café pedir um copo de água com açúcar. Eu fico com esta senhora e vou ligar para alguém a vir buscar!”
Carlota ficou a olhar para Carlos e para aquela mulher que lhe tinha obedecido prontamente. Querida, ele tinha-lhe chamado querida.
Carlota ajoelhou-se para apanhar as suas coisas.
“-Carlota…” – Respirou fundo. “-Temos que falar. Ouve-me querida…”
Carlota tremia, sentia repulsa das palavras dele. Apanhou as suas coisas à pressa, empurrou-as para dentro da carteira. Levantou-se repentinamente. Carlos segurou-lhe o cotovelo.
“-Carlota…”
“-Deixa-me!!” – Desprendeu o seu braço do de Carlos. “-Nunca mais, mas nunca mais mesmo me voltes a falar!! És um porco!! Como é que pude acreditar em ti??” – Correu pelo passeio. Só queria chegar a casa.
Carlos ficou a olhá-la. Como é que tinha deixado as coisas chegar até àquele ponto? Amava Carlota, sabia que a amava. Queria-a para si. Nunca teve coragem para contar à sua mulher, não depois de ela lhe dizer que estava grávida! Não a podia deixar com um filho nos braços. O seu filho! Tinha que esperar, vê-lo crescer. E depois ficar com Carlota…
Agora mais a frio não sabia como tinha chegado a casa. Lembrava-se do seu dia, mas via-o como se fosse um filme que passava diante dos seus olhos. Amava-o tanto… Doía tanto… Aquela mentira iria consumi-la lentamente… Uma mentira com cinco anos…
Olhou para a camisa de Carlos, cheirou-a mais uma vez. Fechou os olhos, as lágrimas tinham secado. Tinha que ser forte… Tinha que o esquecer.
Tinha que aceitar que tudo tinha sido mentira…