Nunca digo que não a um bom desafio de escrita criativa! Este era simplesmente 'Página de um diário de um condenado à morte'!
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Querida Morte,
posso tratar-te assim não posso? hoje tive a noticia que sou mais um condenado à tua pessoa! Morte anunciada, quase com dó, por um homem que teria como função salvar-me! '-Vem tarde, muito tarde! Está por semanas!' Olhei-lhe para as mãos, tremiam ao mexer nos papéis que anunciavam a minha sentença! As minhas ficaram pousadas no meu colo, geladas e quase inertes! Morte! Anunciada e certa porque não quis saber dos sinais! A minha voz tremeu quando disse: '-Desculpe, não estou a perceber? Semanas? Quantas semanas na realidade! Duas semanas, 50 semanas? É vago o que me anuncia!' Olhou para mim, no olhar a morte, a pena, o pesar, o entender da situação, mas ao mesmo tempo a experiência de outros anúncios iguais a este, a pessoas diferentes... A pessoas com outra história de vida!
Querida Morte,
claro que te posso tratar assim! Estou quase a embarcar para o além! Semanas, três a quatro semanas, anunciou o médico com uma voz mais trémula que a minha! Mas sabes o que é parvo?! Tenho cinquenta anos, mas isso tu deves saber! Afinal irei conhecer Hades! E nestes cinquenta anos sabes o que aproveitei da vida?? Ah sim, também deves saber! Achei sempre que teria o amanhã... Amanhã vou, amanhã ligo, amanhã trato, amanhã beijo, amanhã abraço, e nesta sentença de condenação da minha morte anunciada, apercebi-me que o amanhã pode não chegar! Por certo não chegará para todos os abraços que não dei! Não haverá tempo para todos os 'Amo-te' que deixei de dizer! E os telefonemas que prometi? Nem outros cinquenta anos chegariam para os meter em dia!
Querida Morte, estou condenado não estou? Dei por mim a pensar... Preciso de seis amigos para me levarem até à última morada, para me carregarem num caixão que não será escolhido por mim! Não os tenho... Não os tenho porque deixei tudo para amanhã! E agora, é muito tarde para me condenar a mim próprio porque tu virás muito mais depressa!
Querida Morte,
Peço-te apenas que não me faças sofrer muito mais! Agora que conto contigo estarei sempre a espreitar por cima do ombro. Sempre a olhar de lado e a pensar 'será agora?' Quando vieres, sê silenciosa e rápida, deixa-me dar um último suspiro e deixa-me partir a sorrir! Queria estar a ler quando viesses, foi dos pouco prazeres que tive nesta vida. O livro ideal para ter no regaço seria o 'Cem anos de solidão', porque eu tive metade desse tempo solitário, por opção, claro! Por ganância, por achar que seria imortal e que o amanhã daria para tudo! E a história da minha vida resume-se a isso 'Cinquenta anos de solidão'!
Querida Morte,
se fores paciente amanhã estarei por cá! Dirigir-te-ei mais umas quantas palavras, afinal nestas semanas serás a minha companhia, a minha sombra, aquela que me fará sorrir para o vazio!
Até amanhã,
Um abraço a ti, minha querida Morte, um dos últimos que darei, porque estou condenado!
