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Marta Velha - Writer

Marta Velha - Writer

E tudo o mar levou! :)

28.02.23, Marta Velha

22 de fevereiro de 1954
A Francelina nunca se me confessou, mas sinto que sente um desgosto de morte
por ainda não ter filhos. Não sei o que se passa, mas não há meio da mulher
engravidar. Acho que a culpa é minha mas ela diz que não. Eu sinto‑me mal.
Sou o único que ainda não tem descendência. Fosga‑se!! Um homem tem que ter
filhos! Para ensinar a andar de bicicleta, a nadar neste mar revolto, saber o que
é atirar‑se de cabeça nesta água bem gelada. Levá‑lo na sua primeira viagem
de barco. Sentir as ondas debaixo dos pés. Sentir o vento a despentear‑nos o
cabelo. Lançar a rede ao mar e vê‑la vir cheia de peixe! Navegar de noite e ver
a lua a deixar um rasto de diamantes nas águas do mar. Adormecer no barco
ao sabor das ondas. Ouvir o borbulhar das águas. Santo Deus, a necessidade
que tenho de ensinar tudo isto a um filho meu. Meu!
A Francelina não me diz nada. Mas eu sei que ela também quer muito um
filho. Ela tem tanto jeito para as costuras, e para as rendas, tenho a certeza
que se tivéssemos um filho que ela o ia encher de coisas bonitas feitas por ela. A mulher faz magia com agulhas e linhas.
Um dia sei que vamos ter um filho! Um homem! Um homem que também
vá ao mar.
João Afonso Maravalhas

do livro 'E tudo o mar levou'

 

 

 

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Pensamento do dia! :)

28.02.23, Marta Velha

Pensamento do dia! 

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E tudo o mar levou! :)

27.02.23, Marta Velha

5 de outubro de 1951
Casadinho! Casadinho e homem sério! Posso ir aos portos que for, mas agora
tenho mulher em casa à minha espera. Só a quero a ela. Mulher de pelo na venta.
Daquela ninguém faz farinha e eu ou me porto bem ou não é só com peixe que
levo! Abençoada seja aquela que me meteu juízo na cabeça. Agora sossego. E mais, nem à tasca vou. Saio da safra e vou logo para casa!
Se ela me apanha a mijar fora do penico… É possível amar uma mulher assim?
É! Eu amo. E para imortalizar este amor, quero um filho! Ou meia dúzia
deles! Quem sabe!
João Afonso Maravalhas

do livro 'E tudo o mar levou'

 

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E tudo o mar levou! :)

26.02.23, Marta Velha

20 de setembro de 1951
Para quem não queria escrever nada, passo agora aqui tempo de mais, mas
os homens desta família estão todos condenados ao mar e a este diário? Ai a
minha vida. A minha vida e a minha cara!
Então não é que ontem levei com um carapau na cara?? Foi uma risada
completa na lota! E eu é que ia adivinhar que a Francelina andava caída
por mim? Nunca imaginei. Ora claro que falávamos! Não há nenhum rabo
de saia com o qual eu não fale! Ah, pois. As meninas falavam cá todas com o
Maravalhas. Mas ela não gostou, não gostou e vai daí e dá‑me com o carapau.
Apanhou‑me, apanhou‑me nas redes e agora vou casar, não quero perder uma
mulher assim! Mas é que nem pensar! Esta é minha. Uma mulher de armas
assim! Ah não escapa ao Maravalhas!
Casamento marcado para dia 27 deste mês. Até lá, corro o risco de levar com
carapaus, sardinhas e tudo o que vier à rede.
João Afonso Maravalhas

do livro 'E tudo o mar levou'

 

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E tudo o mar levou! :)

25.02.23, Marta Velha

18 de setembro 1951
Quando o meu tio João me deu este diário, logo após a morte do meu pai e do
meu avô eu guardei‑o. Não me dizia nada estas letras aqui escritas, eu queria
era mar! Uma mulher em cada porto. Um dia serei mestre. Mestre Maravalhas.
O homem dos sete mares. Já viajei muito por este mar. Já apanhei alguns
sustos. Mas pelo que aqui li nesta família é normal. Muitos já lá ficaram. Paz
às suas almas. 

Aveiro. Leixões. Figueira da Foz. Em cada porto uma mulher bonita à
minha espera! Namorisco com cada uma delas. Não me posso deixar levar nas
redes de nenhuma delas! Isso é que era bom! Ao Maravalhas não apanham na
rede. Nada disso!
Amanhã estarei na lota. Cabe‑me a mim, acartar as caixas de peixe e ver o
que se consegue negociar. Um pouco de sorte e apanho lá uma poveirinha jeitosa.
João Afonso Maravalhas

do livro 'E tudo o mar levou'
 

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Pensamento do dia! :)

25.02.23, Marta Velha

Pensamento do dia! 

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E tudo o mar levou! :)

24.02.23, Marta Velha

2 de novembrode 1947
Os homens não choram! É isso que nos dizem, sempre! Mas ontem eu chorei.
Chorei muito. Era um dia como tantos outros. Cinzento. Nada de chuva nem
de vento, mas isso que significa? As intempéries aparecem num instante! Meus Deus, esta dor no peito. Esta perda dos meus!
Havia barcos a entrarem no porto, eu mesmo os vi. Poucos. Havia desânimo na cara dos homens. O peixe que traziam não dava para nada! Nada! Alguém gritou que em Leixões tinha acabado de chegar um barco carregado de sardinhas.
Maldito seja quem gritou! Maldito seja!!
O meu pai e o meu irmão foram. Animados. Sorridentes. Cheios de esperança. Cheios de vontade de trazer o barco carregado. Oh meu Deus! Porquê?
Foram rumo a sul. Parece que o destino era a Figueira da Foz! Longe! Esperança. Tinham esperança!
Pelo que sei o tempo mudou de repente. Escuridão. Ondas gigantes. Ar frio. Vento forte. E agora choro. Choro porque o mar levou 152 sonhos. 152 homens perderam a vida. Não há explicação possível! Apenas não há. Havia homens de tanto lado. Matosinhos. Espinho. Murtosa. Vila do Conde. E poveiros! Oh meu Deus, o meu pai e o meu irmão! Porquê? Não encontro explicação. E só me lembro dos olhares deles. Havia esperança. Tinham esperança que fosse um dia como tantos outros. Estarão os homens desta família condenados a morrer no mar? Estarão as esposas condenadas a chorar lágrimas de sal? Tem piedade Deus, tem piedade. Guarda as suas almas!
Este diário segue para as mãos do meu sobrinho! Ele anda ao mar, espero que toda a dor que aqui vai encontrar que o detenha. Espero que ele perceba nestas palavras que o mar é um monstro que reclama o que é seu. Rouba vidas
e não olha a meios para o fazer!
João Maravalhas

do livro 'E tudo o mar levou'

 

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Pensamento do dia! :)

24.02.23, Marta Velha

Pensamento do dia! 

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E tudo o mar levou! :)

23.02.23, Marta Velha

20 de agosto de 1947
Ontem nasceu a minha filha. Meu deus! Quando a vi pela primeira vez as
lágrimas vieram‑me aos olhos. Como é que é possível se ter tanto amor a um
ser tão pequenino e tão dependente de nós? Peço a Deus que a proteja sempre.
Ainda bem que não ando ao mar. Seria terrível ver o pavor nos olhos da minha
mulher ou da minha filha. Tenho‑lhe um amor infinito. Um dia sei que ela terá
orgulho em mim. Mas quero também que ela tenha orgulho do meu pai. Um
homem corajoso! Um homem que enfrenta a morte todos os dias nas ondas do mar!
Deus o guarde a ele e a todos os que andam ao mar. Confesso que não é
fácil… Não é fácil saber que todos os dias eles enfrentam a morte! Não é fácil
saber que a morte todos os dias está em cima da crista das ondas e que se ri deles!
João Maravalhas.

do livro 'E tudo o mar levou'

 

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Coragem! :)

23.02.23, Marta Velha

Que seja sempre isto! 

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