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Marta Velha - Writer

Marta Velha - Writer

E tudo o mar levou! :)

10.03.23, Marta Velha
25 de dezembro de 1970 Hoje faço 16 anos. Uma data de muitas decisões. Hoje foi um Natal e um aniversário muito diferente. E eu que achava que a minha família era perfeitamente normal. Como prenda o meu pai deu‑me o que eu pensava ser um livro. E logo ele que nunca pegou num livro na vida, isto pensava eu! Afinal eu achava que era um livro, mas não! Era um diário, um diário! Vejam bem! Um diário que agora é meu! Tipo herança! E mais! Um caderno de capas pretas com mais de 80 (...)

E tudo o mar levou! :)

04.03.23, Marta Velha
27 de dezembro de 1954 Nasceu! Graças a Deus que nasceu. A Francelina está muito cansada. O trabalho de parto durou muitas horas. Está linda! A minha mulher está linda. E o meu menino é um rapagão. Quase 4 quilinhos. Que Deus me ajude agora a ganhar dinheiro sobre as ondas do mar para os sustentar. Este diário um dia será dele. Ele continuará a escrever aqui as suas memórias. Um dia sei que escreverá aqui que foi ao mar. Que casou, que teve um filho. Um dia… Vou guardá‑lo (...)

E tudo o mar levou! :)

03.03.23, Marta Velha
24 de dezembro de 1954 A Francelina já começou com as dores do parto. As mulheres são corajosas por passar por estas dores. A mulher torce‑se toda. Valha‑me Deus. A ti Joana veio ajudar. Toalhas lavadas. Água quente. Panos. E o cestinho de verga lá no canto do quarto já espera a nossa criança. Se nascer amanhã será uma dupla comemoração! Valha‑me Deus que ela não para de gritar! João Afonso Maravalhas do livro 'E tudo o mar levou'https://emporiumeditora.com/search?q=marta+velha (...)

E tudo o mar levou! :)

02.03.23, Marta Velha
23 de março de 1954 Está mais bela. Mais bela e… grávida! A minha mulher está grávida. Graças a Deus. Vamos ser pais. Agora todo o cuidado é pouco. Vou cuidar dos dois. Ah meu Deus. Um filho. Eu e a Francelina vamos ser pais. Meu Deus do céu, guarda‑me sobre as ondas deste mar. Deixa‑me viver para que possa ver o crescimento desta criança. Que seja um menino. Um menino, que um dia será um homem. João Afonso Maravalhas   do livro 'E tudo o mar levou'https://emporiumeditora.com/search?q=marta+velha (...)

E tudo o mar levou! :)

01.03.23, Marta Velha
21 de março de 1954 Primavera. Hoje está um maravilhoso dia de primavera. O sol brilhava no alto do céu azul, a brisa soprava ligeira, suave, fazia as ondas ondular suavemente. O barco vinha já perto da doca e eu vi‑a. Santo Deus do céu, eu vi‑a! Foi como se tivesse levado não com um peixe mas com meia dúzia deles nestas trombas! Santo Deus, estava linda. A brisa fazia o cabelo dela dançar. Sim, dançava. Uma dança alegre, de muitas cores. Tinha os braços pousados na (...)

E tudo o mar levou! :)

28.02.23, Marta Velha
22 de fevereiro de 1954 A Francelina nunca se me confessou, mas sinto que sente um desgosto de morte por ainda não ter filhos. Não sei o que se passa, mas não há meio da mulher engravidar. Acho que a culpa é minha mas ela diz que não. Eu sinto‑me mal. Sou o único que ainda não tem descendência. Fosga‑se!! Um homem tem que ter filhos! Para ensinar a andar de bicicleta, a nadar neste mar revolto, saber o que é atirar‑se de cabeça nesta água bem gelada. Levá‑lo na sua (...)

E tudo o mar levou! :)

27.02.23, Marta Velha
5 de outubro de 1951 Casadinho! Casadinho e homem sério! Posso ir aos portos que for, mas agora tenho mulher em casa à minha espera. Só a quero a ela. Mulher de pelo na venta. Daquela ninguém faz farinha e eu ou me porto bem ou não é só com peixe que levo! Abençoada seja aquela que me meteu juízo na cabeça. Agora sossego. E mais, nem à tasca vou. Saio da safra e vou logo para casa! Se ela me apanha a mijar fora do penico… É possível amar uma mulher assim? É! Eu amo. E para (...)

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26.02.23, Marta Velha
20 de setembro de 1951 Para quem não queria escrever nada, passo agora aqui tempo de mais, mas os homens desta família estão todos condenados ao mar e a este diário? Ai a minha vida. A minha vida e a minha cara! Então não é que ontem levei com um carapau na cara?? Foi uma risada completa na lota! E eu é que ia adivinhar que a Francelina andava caída por mim? Nunca imaginei. Ora claro que falávamos! Não há nenhum rabo de saia com o qual eu não fale! Ah, pois. As meninas falavam (...)

E tudo o mar levou! :)

25.02.23, Marta Velha
18 de setembro 1951 Quando o meu tio João me deu este diário, logo após a morte do meu pai e do meu avô eu guardei‑o. Não me dizia nada estas letras aqui escritas, eu queria era mar! Uma mulher em cada porto. Um dia serei mestre. Mestre Maravalhas. O homem dos sete mares. Já viajei muito por este mar. Já apanhei alguns sustos. Mas pelo que aqui li nesta família é normal. Muitos já lá ficaram. Paz às suas almas.  Aveiro. Leixões. Figueira da Foz. Em cada porto uma mulher bonita à (...)

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24.02.23, Marta Velha
2 de novembrode 1947 Os homens não choram! É isso que nos dizem, sempre! Mas ontem eu chorei. Chorei muito. Era um dia como tantos outros. Cinzento. Nada de chuva nem de vento, mas isso que significa? As intempéries aparecem num instante! Meus Deus, esta dor no peito. Esta perda dos meus! Havia barcos a entrarem no porto, eu mesmo os vi. Poucos. Havia desânimo na cara dos homens. O peixe que traziam não dava para nada! Nada! Alguém gritou que em Leixões tinha acabado de chegar um (...)