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Marta Velha - Writer

Marta Velha - Writer

E tudo o mar levou! :)

15.03.23, Marta Velha
Abril de 1982 A minha menina já corre tudo. Fala que nem um papagaio. Tem um sorriso do tamanho do mundo. Quando estou nas ondas do mar debaixo de uma tempestade tremenda, só me lembro do sorriso dela! Daquela mãozinha maravilhosa a dizer‑me adeus e da sua voz de anjo a dizer que gosta de mim! Penso nela e na minha mulher tantas e tantas vezes. meu pai foi levado pelo mar. A minha Antonieta chorou tanto! O meu coração partiu‑se por muitas razões, pela perda do meu pai, pela (...)

E tudo o mar levou! :)

14.03.23, Marta Velha
1 de dezembro de 1979 Nem sei por onde começar. Estes dias têm sido maravilhosos! Antonieta e eu estivemos juntos por estes dias. Fizemos amor! Meu Deus ela é uma mulher maravilhosa. Estivemos juntos na praia numa noite de luar que melhor pode haver que ter uma mulher que nos ama, que amamos, debaixo de um maravilhoso céu estrelado e de uma lua que ilumina tudo? Nada é melhor que isso!! Amo‑a. Deus sabe que a amo! Este amor à primeira vista parece ter dado cabo de mim. Não consigo (...)

E tudo o mar levou! :)

13.03.23, Marta Velha
5 de outubro de 1979 Temo‑nos visto todos os dias. Tento safar‑me da safra o mais cedo possível. Quero tanto estar com ela. Sempre. Todos os minutos são poucos. Combinámos estar juntos amanhã ao final da tarde. Amanhã declaro‑me. Tenho que o fazer. As noites são passadas em claro, imagino‑me a perder‑me naqueles cabelos longos, naquelas pernas, naquelas mãos, naquele corpo. Meu Deus. Isto é amor. Muito amor! Falei com o mestre Maravalhas, pedi‑lhe conselhos. Depois de (...)

E tudo o mar levou! :)

12.03.23, Marta Velha
Setembro de 1979 Hoje o dia acordou cinzento, mas se eu adivinhasse como ia ficar colorido não tinha andado tão azedo durante toda a manhã. Tinha acordado maldisposto. Cinzento como o tempo, como me disse a mãe. Saí para a praia. Apenas o mar me acalma. E hoje eu precisava de ver o mar. De ouvir o mar. Fiquei sentado nas redes. O ti Jonas do Peixe andava por ali e eu fiquei a ouvi‑lo contar histórias de outros tempos. De outros portos. De outros mares. E de repente achei que estava (...)

E tudo o mar levou! :)

11.03.23, Marta Velha
Agosto de 1979 Comemoraram‑se as festas em honra da nossa Senhora da Assunção. Por mais anos que passem esta festa é sempre bonita de se ver. A procissão é uma maravilha. Estavam cá algumas cachopas das Caxinas. Ainda bem, assim consolamos as vistas. Roupa domingueira. Olhares discretos. Um dia ainda apanho uma na minha rede. Será um desgosto para o mestre Maravalhas se eu apanhar na rede uma rapariga das Caxinas! Mas caraças, um homem não é de ferro! E o que vem à rede é sereia. Ad (...)

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10.03.23, Marta Velha
25 de dezembro de 1970 Hoje faço 16 anos. Uma data de muitas decisões. Hoje foi um Natal e um aniversário muito diferente. E eu que achava que a minha família era perfeitamente normal. Como prenda o meu pai deu‑me o que eu pensava ser um livro. E logo ele que nunca pegou num livro na vida, isto pensava eu! Afinal eu achava que era um livro, mas não! Era um diário, um diário! Vejam bem! Um diário que agora é meu! Tipo herança! E mais! Um caderno de capas pretas com mais de 80 (...)

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04.03.23, Marta Velha
27 de dezembro de 1954 Nasceu! Graças a Deus que nasceu. A Francelina está muito cansada. O trabalho de parto durou muitas horas. Está linda! A minha mulher está linda. E o meu menino é um rapagão. Quase 4 quilinhos. Que Deus me ajude agora a ganhar dinheiro sobre as ondas do mar para os sustentar. Este diário um dia será dele. Ele continuará a escrever aqui as suas memórias. Um dia sei que escreverá aqui que foi ao mar. Que casou, que teve um filho. Um dia… Vou guardá‑lo (...)

E tudo o mar levou! :)

24.02.23, Marta Velha
2 de novembrode 1947 Os homens não choram! É isso que nos dizem, sempre! Mas ontem eu chorei. Chorei muito. Era um dia como tantos outros. Cinzento. Nada de chuva nem de vento, mas isso que significa? As intempéries aparecem num instante! Meus Deus, esta dor no peito. Esta perda dos meus! Havia barcos a entrarem no porto, eu mesmo os vi. Poucos. Havia desânimo na cara dos homens. O peixe que traziam não dava para nada! Nada! Alguém gritou que em Leixões tinha acabado de chegar um (...)

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19.02.23, Marta Velha
4 de abril de 1936 Hoje nasceu o meu sobrinho. O meu irmão fez questão de o chamar de João, tal como eu! João Afonso Maravalhas. Um menino saudável, cheio de vida e cá com uns pulmões que assustam! Foi festa rija entre todos. Vinho, pão, chouriço, peixe, tudo até tarde! Um dia pode ser que eu mesmo case e que Deus abençoe o meu lar com uma boa esposa e filhas! Peço a Deus filhas! Porque parece que os homens desta família estão destinados ao mar! Triste sina a nossa! Eu (...)

E tudo o mar levou! :)

13.02.23, Marta Velha
19 de maio de 1914 Estava sereno. Calmo como nunca o tinha visto. Sorriu‑me, depois uma lágrima caiu‑lhe pelo rosto, a custo levantou a sua mão, acariciou‑me o rosto e numa voz sumida disse que me amava. Depois soltou um último suspiro e partiu. O funeral foi esta manhã. A igreja estava cheia. Os barcos não saíram por respeito. Os homens estavam lá todos. Todos eles. De cabeça baixa, rostos tristes. Todos eles tinham uma história com o meu Maravalhas. Todos se despediram. Al (...)