E tudo o mar levou! :)
2 de novembrode 1947
Os homens não choram! É isso que nos dizem, sempre! Mas ontem eu chorei.
Chorei muito. Era um dia como tantos outros. Cinzento. Nada de chuva nem
de vento, mas isso que significa? As intempéries aparecem num instante! Meus Deus, esta dor no peito. Esta perda dos meus!
Havia barcos a entrarem no porto, eu mesmo os vi. Poucos. Havia desânimo na cara dos homens. O peixe que traziam não dava para nada! Nada! Alguém gritou que em Leixões tinha acabado de chegar um barco carregado de sardinhas.
Maldito seja quem gritou! Maldito seja!!
O meu pai e o meu irmão foram. Animados. Sorridentes. Cheios de esperança. Cheios de vontade de trazer o barco carregado. Oh meu Deus! Porquê?
Foram rumo a sul. Parece que o destino era a Figueira da Foz! Longe! Esperança. Tinham esperança!
Pelo que sei o tempo mudou de repente. Escuridão. Ondas gigantes. Ar frio. Vento forte. E agora choro. Choro porque o mar levou 152 sonhos. 152 homens perderam a vida. Não há explicação possível! Apenas não há. Havia homens de tanto lado. Matosinhos. Espinho. Murtosa. Vila do Conde. E poveiros! Oh meu Deus, o meu pai e o meu irmão! Porquê? Não encontro explicação. E só me lembro dos olhares deles. Havia esperança. Tinham esperança que fosse um dia como tantos outros. Estarão os homens desta família condenados a morrer no mar? Estarão as esposas condenadas a chorar lágrimas de sal? Tem piedade Deus, tem piedade. Guarda as suas almas!
Este diário segue para as mãos do meu sobrinho! Ele anda ao mar, espero que toda a dor que aqui vai encontrar que o detenha. Espero que ele perceba nestas palavras que o mar é um monstro que reclama o que é seu. Rouba vidas
e não olha a meios para o fazer!
João Maravalhas