E tudo o mar levou! - Diário de Adriano Maravalhas setembro 1979
13.04.24, Marta Velha
Do livro 'E tudo o mar levou'
Setembro de 1979
Hoje o dia acordou cinzento, mas se eu adivinhasse como ia ficar colorido não tinha andado tão azedo durante toda a manhã. Tinha acordado maldisposto.
Cinzento como o tempo, como me disse a mãe. Saí para a praia. Apenas o mar me acalma. E hoje eu precisava de ver o mar. De ouvir o mar. Fiquei sentado nas redes. O ti Jonas do Peixe andava por ali e eu fiquei a ouvi‑lo contar histórias de outros tempos. De outros portos. De outros mares. E de repente achei que estava a ter ilusões. Ela flutuava pelo areal, qual anjo! Era uma ilusão! O ti Jonas do Peixe até me mandou fechar a boca, de tão espantado que estava. Levantei‑me de um salto. Tinha que falar com aquela sereia que tinha acabado de dar à costa. Não era muito alta, cabelos longos soltos ao sabor do vento. Uma saia que mal lhe tapava os joelhos, uma blusa florida, cheia de cor e vida tal como ela!
Meu Deus! Fiquei todo emaranhado naquela rede. Que Deus me ajude! Mas
esta é para a vida!
Ganhei coragem e falei‑lhe! Ao princípio ela parece ter ficado assustada, mas depois. . . Caminhámos pela praia, horas! Horas mesmo! Quando dei por ela estávamos em Vila do Conde! É professora! Veio para aqui para dar aulas, nãos sabe quanto tempo vai ficar, por mim fica toda a vida. A meu lado!
Combinei ir buscá‑la à escola depois de vir da safra. Tenho receio de me atrasar. Ela é a mulher mais bonita que vi até hoje. Atrevi‑me a agarrar‑lhe uma das mãos. Tão pequeninas, suaves, umas mãos que encaixam na minha perfeitamente. Vou levá‑la a lanchar. Não sei o que pensar mas fui mesmo apanhado nesta rede.
Não sei o que ela possa ver em mim. Sou um homem do mar!
Adriano Maravalhas