Para recordar! :)
Arnaldo entrou na casa, admirou-se por a porta estar aberta. Olhou para as luzes que estavam apagadas e era isso que era estranho. Não ouviu nenhum tipo de som apesar de estar atento. Era estranho a Dona Felicidade não ter a televisão acesa. A Dona Felicidade nunca prescindia da companhia da televisão.
“-Rex?” – Chamou o cão da senhora mas este não reagiu ao seu chamar.
O chão estava sujo com algo que lhe pareceu peganhento. Havia pequenas manchas em todo o lado.
“-Dona Felicidade. Está em casa?”
Arnaldo sentiu um cheiro estranho no ar. Pousou os sacos na mesa da cozinha e olhou em redor. Faltava ali alguma coisa. Mostrava-o na cara que fazia. Conhecia a Dona Felicidade desde que começou a trabalhar no centro de dia como ajudante, havia uns cinco anos. Dona Felicidade era viúva há mais de quinze anos, não tinha família e Arnaldo acabou por ser o filho que ela nunca teve. Será que se tinha sentido mal?
Percorreu o corredor que ia da cozinha até à sala. Mais manchas peganhentas no chão. Tocou numa das manchas e esfregou o líquido entre os dedos. Sangue!
“-Dona Felicidade! A senhora está bem?”
Arnaldo correu pelo corredor escuro e ali estava o corpo. Arnaldo não pensou duas vezes. Ajoelhou-se ao lado do corpo da velha senhora. O corpo estava cheio de sangue, uma faca grande de cozinha ainda estava cravada no peito. Arnaldo tentou puxá-la mas arrependeu-se quando ouviu o som da carne a rasgar. Olhou em redor. Havia sangue pelo chão, na parede uma mão pintada como se ela tivesse tentado apoiar-se. Havia sangue junto da mesinha onde o telefone repousava. O pequeno telefone banco estava cheio de sangue.
Arnaldo ficou ali ajoelhado junto do corpo. Chorava. Tinha as mãos manchadas de sangue, a sua camisa também estava toda suja. O sangue estava por todo o lado…
A porta de entrada bateu com força e a polícia entrou.
“-Ela já estava morta! Não pude fazer nada!!” – Arnaldo falava quase num sussurro. “-Ajudem-na!”
“-O senhor está detido…”
Um polícia ajudou Arnaldo a levantar-se.
“-Eu não fiz nada…”
“-Vou ler-lhe os seus direitos. Está a perceber-me?”
Arnaldo estava em choque. Aquela mulher que tão bem o tratava estava morta. Agora a polícia estava a levá-lo e ele não entendia porque.
“-E é tudo isso que tem para confessar diante deste tribunal?” – O juiz tirou os óculos e olhou para o réu Jacinto Silva.
“-Não!” – Jacinto tinha a mesma voz isenta de qualquer sentimento.
“-Preciso de confessar tudo! Tudo!” – Respirou fundo. “-O Arnaldo está inocente e… Já esteve tempo demais atrás das grandes por algo que não fez!”
“-E porque só agora a sua confissão?”
“-Porque a Dona Felicidade atormenta-me de noite! Porque vi a luz! E a luz mostrou-me que este era o caminho…” – Baixou a cabeça.
“-Acabe a sua confissão…”
“-Confesso… Confesso que andava a rondar a casa daquela senhora há algum tempo. Conhecia-lhe todos os passos. Era uma mulher de rotinas. Sabia a que dias ia lá o Arnaldo. Mas naquele dia ela alterou tudo! Tudo!! Não era suposto estar em casa! Nem era suposto o Arnaldo ir lá! Confesso que não tinha intenção de a matar. Precisava apenas de dinheiro!” – Levantou os olhos para o tribunal. “-Mas ela quando me viu começou a gritar muito alto. E eu assustei-me! Peguei na faca e fui na direcção dela! Apenas queria que ela não gritasse! Supliquei para que ela se calasse! Mas ela gritou muito. Ela ainda estava com vida e pegou no telefone para ligar para o 112. Eu fiquei muito aflito. Havia sangue por todo o lado! Muito sangue! Eu fugi. Mas fiquei de longe a ver tudo pela janela! E depois apareceu o Arnaldo! Não estava ainda na hora de ele ir lá a casa! E tentou ajudá-la! Tentou tirar a faca e fazia um ar aflito e assustado com tudo! E depois apareceu a polícia! E o sangue… Era tanto sangue!”
“-Tem noção que a sua confissão lhe vai dar direito a muitos anos de prisão?”
Jacinto olhou para o juiz. Só se lembrava do sangue nas suas mãos, na sua roupa, nos seus pés. Sangue! Tanto sangue que havia.
“-Para ter a paz que a luz me prometeu precisava desta confissão…”
“-E tem mais alguma coisa a acrescentar à sua confissão?”
“-Não… Isto é tudo o que confesso.”