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Marta Velha - Writer

Marta Velha - Writer

Para recordar! :)

12.10.22, Marta Velha

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Linda. Ela é tão linda!
Lembras-te de te ter contado que estas foram as primeiras palavras que disse quando te vi?
Estava com o João. Lembras-te do João, não lembras? O meu amigo! Naquela festa de anos, há quarenta anos…
Tens que te lembrar… Naquela noite dei-te o meu coração.
O João apresentou-nos. Rosa, é esse o teu nome. A minha Rosa, como digo tantas vezes. Disse-me que eras a pessoa mais alegre que ele conhecia, sempre feliz, disse-me que eras professora. Lembras-te dos teus alunos? Havia dois que vinham cá a casa muitas vezes, passar as férias de Verão, lembras-te?
Disse-me que amavas a vida…
E agora aqui estás tu, presa no teu corpo.
Ainda me amas?
Olho para ti e continuo a achar que és linda.
Quarenta anos… Cada ruga do teu rosto tem uma história para contar. A nossa história! As nossas aventuras!
Lembras-te de alguma?
Oh, o dia em que te pedi para saíres comigo!
Era Verão, passei quinze dias a ganhar coragem para te convidar para sair. Precisei mesmo de ganhar coragem!
Até gaguejei quando falei contigo. Lembras-te?
Olhei-te nos olhos e meio a gaguejar meio a correr nas palavras perguntei-te.
Lembras-te do que respondeste?
Oh, tinhas uma saia vermelha, uma blusa branca, quase que escondeste o rosto no lenço que trazias a prender o cabelo. O teu ‘sim’ foi tão tímido. Coraste. Mas disseste sim.
Lembras-te?
Aquela tarde foi um desastre! Estava tão atrapalhado que a chávena de café caiu da minha mão. Todo eu tremia. Gago, naquela tarde fiquei gago. Depois quis encher o teu copo com o sumo! Oh, parti o copo, deixei cair a garrafa!
Lembras-te?
Deste uma gargalhada. Seguraste na minha mão e suavemente disseste que não valia a pena eu estar atrapalhado porque iriamos passar o resto das nossas vidas juntos!
Lembras-te?
Tens que te lembrar! O meu coração já era teu naquele dia! Fiquei preso àquela promessa que fizeste. Que ficaríamos juntos para o resto das nossas vidas. Foi há quarenta anos.
Daí até ao casamento foram apenas três meses. Achei que esses meses passaram tão devagar como mil anos! Era uma tortura não te ter junto a mim! Naqueles três meses disse ‘amo-te’ todos os dias. E ainda digo! Ao fim de quarenta anos ainda digo ‘amo-te’.
Lembras-te?
Disse-te hoje de manhã quando te fui acordar. Olhaste para mim e perguntaste quem eu era! Fingi não ouvir! Fomos apresentados há quarenta anos! Pelo João. O meu amigo! O nosso padrinho de casamento. O padrinho da nossa filha, a Joaninha! Sabes quem é a Joaninha. Claro que sabes! Ela ontem esteve cá. Ouvia-a a chorar ao telefone. Dizia a alguém que não te lembravas dela…
Mas tu lembras-te não lembras?
Eu sei que sim…
Como também sei que te lembras do nosso neto. O Diogo! Fez três anos a semana passada. A festa foi linda. Havia balões. Perguntaste o que era aquilo. Eu peguei-te na mão e disse-te o que era. Balões! Até te expliquei como se enchem. Ficaste calada a olhar para eles em silêncio. Depois disso cantámos os parabéns.
Lembras-te?
O Diogo sentou-se no teu colo. Abraçou-te. Deu-te um beijo no rosto. Chamou-te avó. Perguntaste quem ele era. A sala ficou em silêncio e eu expliquei-te quem ele era. Quem era a Joaninha. Quem era o nosso genro. Quem eram todos.
Lembras-te?
Sorriste. Como é lindo o teu sorriso.
Linda. És tão linda!
E agora estás presa no teu corpo, na tua mente. Mas tu fizeste uma promessa. Disseste que ficaríamos juntos para o resto das nossas vidas.
E eu ainda te amo.
Lembras-te?