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Marta Velha - Writer

Marta Velha - Writer

Quatro estações! Para recordar! :)

17.04.24, Marta Velha

     Ainda bem que abriste a janela! Sentia-me a sufocar! Já é Verão, como passou rápido! Como é maravilhosa esta sensação do calor a banhar-me o rosto, ah e esta brisa ligeira que se sente e que me desalinha o cabelo? Também tens a sensação que as pessoas andam mais felizes nesta altura? Juro que até ouço as gargalhadas de quem passa lá em baixo! Se fechar os olhos e inspirar sinto o leve odor a mar, a protetor solar e a alegria que paira no ar!

 Anda para o meu lado! Sente o calor e a brisa no rosto! Sei que adoras o Verão, as idas à praia, estar numa esplanada comigo a ver quem passa! Não te rias! Sei bem que agora bebias uma cerveja e comias uns tremoços!

 Oh, tens que ir embora? Ainda é cedo, não é? Eu compreendo! Vai com cuidado, por favor! Se tiveres tempo liga-me!

     Olho para ti e pareces-me tão abatido! Aconteceu alguma coisa? Juro que até me pareces mais magro! Lá estou eu para aqui a divagar! Vá, vai lá! Não te detenhas apenas porque estou com ideias! Macaquinhos no sótão, como tu dizes! Eu vou continuar aqui na janela, juro que não há sensação tão apaziguadora como esta!

    Aqui estou eu, meu Deus do Céu! Aqui o tempo não passa! Fecho os olhos, respiro fundo, sinto o cheiro a Verão! O cheiro a rosas! Como eu adoro estar num jardim cheio de rosas e sentir aquele maravilhoso odor! Tal como aquele perfume que me deste e que eu tanto gosto!

    Queria tanto ir contigo Guilherme, tanto que chega a doer! Eu sei que temos muito tempo para estarmos juntos! Somos jovens, 30 anos, uma vida pela frente! Mas o amor que te sinto é tanto que acho que todos os minutos afastados são uma autêntica tortura!

     Oh, mas ainda aí estás? Desculpa… quando começo a falar nunca mais me calo!

 

     Chegaste! Que bom, tenho tanto para te contar! Oh, estás tão pálido! Tens-te alimentado? Ando mesmo preocupada contigo! Nunca foste muito de falar, mas a sensação que tenho é que nos últimos dias andas mais calado que o normal!

     Não faças essa cara, por favor! E esse teu olhar… Que tens Guilherme? Apetece-me tanto acariciar-te! Sei que adoras que te afague o rosto, também sei que aqui não é o local mais apropriado, mas… Guilherme!

     Ah, queres que te conte como foi o meu dia? Muito bem! Já te disse que odeio trabalhar aqui? Valha-me Deus! Como é que eu vim aqui parar? Acreditas que nem me lembro como raio venho para aqui todos os dias! Ando mesmo cansada! Não te rias… Tu também tens aqueles colegas que gostas menos! E às vezes também te esqueces de coisas simples! Lembras-te quando deixaste a chave do carro no frigorífico??

     E esta Madalena? Oh, senhor do céu! A mulher está aqui há meia dúzia de dias! Olha-me de uma maneira que até me arrepia a alma! E tu sabes que eu nem sou muito de falar com estranhos! Mas caramba!! A mulher parece muda!! Ainda não percebi muito bem quais são as funções dela aqui, mas…A sensação que tenho é que manda em mim e nas outras meninas que trabalham neste piso! Sempre de olhar tipo coruja, parece que me tira radiografias só com os olhos! Depois toma notas, e sai! Nariz empinado! Enfim, juro que logo que possa mudo de trabalho! A paisagem é bonita, mas…

    Mas vou deixar-me de lamúrias! Tenho que agradecer o facto de ter trabalho, não é? E saúde para trabalhar!

     Sabes o que fiz hoje? Oh, pergunta parvinha!! Claro que não sabes, senão não me tinhas perguntado! Na minha hora de almoço fui até aos jardins. Sabias que nas traseiras deste edifício há um jardim maravilhoso? E têm rosas! Rosas de todas as cores e feitios! Olha, sentei-me junto de uma árvore, fechei os olhos e deixei-me estar ali a apanhar sol. Depois, oh nem imaginas o que aconteceu! Há ali uns baloiços, e estavam lá uns miúdos a brincar! Acreditas que estive a jogar à macaca com eles? Descalça!! Sim, descalça! Andei a correr descalça. E sabes, nem me tinha apercebido que já era Outono.

     A brisa já é um pouco mais fria e mais forte! E as folhas a dançarem à minha volta? Foi maravilhoso, até eu rodopiei junto com as folhas! Uma dança! Dancei descalça, na relva a imitar as folhas! Não te rias… sabes que às vezes sou assim meia impulsiva e gosto de fazer o que me apetece sem olhar onde estou ou com quem estou! Senti-me tão feliz, tão livre, tão viva, tão criança novamente! É maravilhoso estarmos vivos e cheios de vivacidade! Um dia temos que fazer o mesmo, os dois! Sei que és homem para alinhar numa impulsividade destas!

     Estás a ler… desculpa! Sei como adoras ler e ficas assim meio alheado do resto do mundo! Desculpa. Deixaste em cima da mesa aquele romance de que tanto falavas! Ainda não tive tempo para o começar a ler. Mas da maneira que falaste do livro e das personagens… Não me olhes assim! Sei que fui parva ao sentir ciúmes da maneira que falaste da personagem principal! Fui tão parva… tão criança… infantil! És sempre tão entusiasta quando falas dos livros que gostas! Dos livros ou de outro assunto qualquer! E falaste com tanto amor… esses teus olhos azuis tinham o mesmo brilho que tens quando me olhas. O brilho que há muito perdeste… Que tens? Olha para mim, por favor! Anima-te…

     Ah, essa carícia no meu rosto…tão bom sentir o calor da tua mão no meu rosto… Mas o teu olhar…O teu olhar meu amor! Falta-lhe o animo, o brilho. Falta aquilo que tanto te distinguia dos outros! Meu amor…

     Estou outra vez a divagar!

     Continua a ler… Prometo que fico aqui, a ver quem passa! O teu sorriso, como é caloroso o teu sorriso, meu amor!

     Amo-te! Amo-te tanto… Um dia prometi que te dizia ‘amo-te’ todos os dias! Mas a vida às vezes é tão acelerada, tão… tão… sei lá… não devemos deixar nada por dizer, pois não? Se não houver amanhã… para onde irão as palavras que não dizemos? E se de um dia para o outro não se puder dizer mais nada a quem amamos? Por que razão? Sei lá… imagina que ficava muda!! Não te rias! Vá… podia acontecer, não podia?

     Por isso, amo-teee!! Amo-teeeee muitooooo!! E vou dizê-lo todos os dias, sempre que me der vontade, esteja eu onde estiver!! Assim, a plenos pulmões!! Amo-teeee!! Mesmo que a maldisposta da Madalena me chame a atenção e que diga que aqui não se pode falar alto!

     Já te disse que ela é intimidante? Credo!! Assustadora mesmo! Andamos sempre todas a sussurrar! Parece que isto é um santuário! Ou um mausoléu!

 

     O dia de hoje está péssimo!! Está a chover tanto! E está um frio! Mas a janela estava aberta, não estava?

      Como é possível? Inverno… chegou o Inverno! Ia jurar que ainda ontem era Verão! O tempo passa mesmo a correr não passa? Sinto que nestes últimos dias não tenho vivido, só sobrevivido! E sabe Deus como é difícil sobreviver neste mundo tão louco!

     Brr, que frio! Tenho estado aqui a esfregar os braços para ver se aqueço. Oh o meu casaco… Ainda bem que o trouxeste! Sim, claro que me podes ajudar a vesti-lo! É tão quentinho… Quando é que mo deste? Foi no Natal, sei que foi! Não te rias!! Não me digas que também te estás a lembrar da camisola com a rena que te ofereci? A tua cara… foi tão engraçada! E olha que a camisola foi um sucesso! Há tanto tempo que não te via a rir! Amo-te! Amo o teu sorriso, amo a tua maneira desengonçada e atabalhoada! Amo cada palavra que me dizes! Amo-te!

     Estás a beber um chá! Dizem que tem o poder de animar os mais abatidos! Achas que se pedir um a Madalena também mo dá? Tens razão, mais vale não chateá-la por causa de um chá. Logo que saias vou à copa e faço um.

     Sabes o que me apetecia? Estar a beber esse chá contigo, mas no nosso sofá. Tenho tantas saudades de estar no nosso sofá! Enroscados! A ver aqueles filmes pirosos de finais felizes! Sim, esses mesmo! Os que me fazem sempre chorar e que eu escondo o rosto com vergonha que vejas! Oh, eu sei que acabas sempre por ver! Por te rir! Por me abraçar! Acabas sempre a dizer que me amas! E como é bom ouvir a tua voz doce, suave… Nem me lembro quando foi a última vez que nos enroscámos lá sem fazer nada e sem pensar em nada!

     Eu compreendo meu amor, em compreendo! Tens razão! Os nossos horários… arranjamos desculpa para tudo, não é? Temos que tirar um fim de semana só para nós. Agora que é Inverno, acendemos a nossa lareira, ouvimos o crepitar da madeira, enroscamo-nos na manta pirosa que comprei nos saldos. Fazemos amor…

     Tenho saudades de nós… que se passa? Sinto que passo os dias aqui no trabalho, com estas colegas que me odeiam! Sei que vens aqui de vez em quando! Nem sei como a Madalena não faz queixa de estares aqui tanto tempo! Não gosto mesmo nada de estar aqui…

     Eu sei, tens que ir, não é?

     Vai. Também te amo, meu amor! Também te amo…

 

 

     Hoje chegaste mais cedo que o habitual ou é impressão minha? Ah, vens a sorrir! Que bom meu amor! O dia está maravilhoso, o sol começa a brilhar! Os dias estão um bocadinho mais longos!

     Música? Hoje temos música? Não acredito! Oh, eu conheço esta música! Vá, não digas o nome! Eu chego lá! Estes violinos! Oh, meu Deus! Como amo ouvir o som dos violinos! Alguma vez te disse que andei a aprender violino? Acho que nunca te contei! Tanto chateei os meus pais que eles fizeram-me a vontade! Não olhes assim para mim! Acho que não tinha assim tanto jeito! Lembro-me de ir a concertos! Lembro-me de estudar horas a fio! Lembro-me dos acordes! E desta música, eu sei que esta música me é familiar! Mas como se chama?

     Se fechar os olhos pode ser que me lembre, mas…

     Esta música alegra qualquer alma! Exceto a Madalena, claro! Acho que não há nada que alegre aquela mulher! Tanto que aposto que quando vier a este piso vai pedir para a música ser desligada!  A senhora é mais azeda que uma fruteira cheia de limões!

      Vou ouvir mais um bocado! Eu sei que conheço! Engraçado, parece que lá fora as folhas bailam ao som destes violinos! Meu Deus, a natureza dança! É arrepiante! Até a mim me apetece rodopiar sem fim ao ouvir este som! Escuta! A pele arrepia-se! É magnífico!

     Não sei se me vais achar meia doidinha, mas lá fora parece que se atropelam as estações ao ouvir este som! Achas possível? Claro que achas, em menos de cinco minutos as quatro estações aparecem para dançar ao som dos violinos! Olha agora! Tão rápido que as folhas bailam! O vento agita-as exatamente no mesmo tempo destes acordes!

    Arrepiante!! Simplesmente arrepiante!

    Com este tempo mais quentinho só me apetece descalçar e ir lá para fora rodopiar! Sempre ao som destes violinos! Sim, é Primavera, Guilherme! A natureza saúda-nos e esta música brinda-nos!

     Dá-me a tua mão e corremos os dois daqui! Cinco minutos, apenas cinco minutos para correr na relva! Fechar os olhos, rodopiar, seguir os violinos! Cometer uma pequena loucura!

     Tens razão… Hoje não dá! Mas vou ficar aqui a ouvir a música. Sei que a conheço, sei o nome, mas não me recordo!

     Não me olhes assim, vá… eu vou lembrar-me sei que sim!

     Amo-te! Amo-te tanto!

 

 

 

 

    -Bom dia Guilherme! Como está? – Madalena olhou para aquele homem. Tinha envelhecido tanto nos últimos meses! As olheiras denunciavam a privação do sono. Não queria nem imaginar o sofrimento…

     -Doutora Madalena. – Encolheu os ombros, como estava? Nem ele sabia o que responder!

     -Vejo que seguiu o meu conselho e hoje trouxe música.

     Guilherme olhou para a cama. Sim, já tinha tentado as rosas, os livros, a leitura em voz alta. Que custava também tentar a música?

     -Sim, hoje trouxe esta música de Vivaldi, Four Seasons. Quatro estações! – Tentou não chorar. Respirou fundo e voltou a olhar para a cama. Depois olhou para a janela, o sol a bater no vidro fazia aparecer um sem número de arco-íris na tijoleira. -Quatro estações, doutora! Precisamente o tempo que ela está assim… Há esperança?

     Madalena olhou para Carolina. Rabiscou no bloco que trazia sempre consigo. -Enquanto lhe tiver amor, haverá sempre esperança.

     -Até quando?

     -Guilherme, há casos de doentes que ficam em coma anos e depois de um momento para o outro acordam!

     -Acha mesmo que ela me ouve? Que ouve a música? Que sente a música?

     -Guilherme, nada é certo, mas há casos de doentes que acordam e se lembram de conversas que ouviram, por isso! Não me disse que ela gostava de violinos?

     Guilherme deu uma gargalhada. -A vida dela era o violino! Era a principal violinista da Orquestra. Esta música de Vivaldi foi das primeiras que tocou… Se estiver a ouvir de certeza que está a adorar!

     -Não perca as esperanças… Até amanhã!

     -Até amanhã doutora!

 

     Nem acredito que a Madalena está a falar contigo! De certeza que te pediu para desligares a música! Deixa tocar só mais um bocadinho! Estou a gostar tanto!

     Mais perfeito era mesmo se estivéssemos lá em baixo a rodopiar ao som dos violinos! Mas não faz mal! Amanhã, pode ser amanhã!

     Amo-te! Amo-te muito!

 

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