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Marta Velha - Writer

Marta Velha - Writer

E tudo o mar levou! - Diário de Mafalda 26 de Novembro de 1892

27.03.24, Marta Velha
Livro 'E tudo o mar levou' 26 de novembro de 1892 Já sinto as dores de parto, está próximo, não sei se aguentarei o dia todo de hoje. Tenho andado a pé, devagar, dizem que ajuda. E é mais fácil para eu respirar. A ti Zirinha não sai de perto de mim. Tem‑me dado um chá de ervas, diz que ajuda nas dores. O Zé Maravalhas tem sido um amigo como nunca tive. É de poucas palavras, mas quando fala diz‑me tanto. Sinto por ele um carinho especial. Um amor de amigo que nunca se (...)

E tudo o mar levou! - Diário de Mafalda 15 agosto de 1892

26.03.24, Marta Velha
Livro 'E tudo o mar levou' 15 de agosto de 1892 Hoje nossa Senhora da Assunção é venerada. É a padroeira dos homens do mar. Fui com a ti Zirinha e com a Ana, irmã do meu falecido. Estávamos todos comovidos, a lembrança ainda está muito viva. Ainda se fala dos mortos. A ti Zirinha contou‑me uma crença muito bonita e que me acalmou a alma. Santo André é o barqueiro das almas, vai pescá‑las ao fundo do mar e resgata‑as para si. Sei que o meu Bilhanos está no seu (...)

E tudo o mar levou! - Diário de Mafalda 20 Junho de 1892

25.03.24, Marta Velha
Do livro 'E tudo o mar levou'   20 de junho de 1892 Algumas mulheres de pescadores olham‑me com pena. A minha barriga já se nota. Algumas sabem o que estou a passar, conhecem a minha dor. Sabem o que é ter um filho no ventre e ele não ter pai. Quero o melhor para os dois. Pão e peixe na mesa. Quem me dera um barquinho para eu mesma sair ao sabor das ondas. Nunca estive sobre as ondas deste maldito mar. Mas um dia irei, irei domá‑lo! Irei para trazer peixe para a minha mesa (...)

E tudo o mar levou! - Diário de Mafalda 25 de maio de 1892

20.03.24, Marta Velha
Livro 'E tudo o mar levou' 25 de maio de 1892 Os dias têm passado devagar, olho para o mar todos os dias, as ondas conti‑ nuam furiosas, querem mais homens, querem mais dor. Tenho sempre esperança de ver o meu homem a sorrir de longe e a acenar‑me. Ainda me lembro dos seus abraços, dos seus beijos, das suas palavras a dizer que vai ficar tudo bem. Sim, tem que ficar tudo bem. O meu ventre cresce a olhos vistos. Já sinto esta criança a mexer. É um menino. Tenho a certeza disso. (...)

E tudo o mar levou! - Diário de Mafalda 22 de Março de 1892

19.03.24, Marta Velha
Livro 'E tudo o mar levou' 22 de março de 1892 Não sei que faça. A dor é imensa. Os corpos foram enterrados, pelo menos os corpos de quem apareceu. Há os que se perderam para sempre no mar. Na igreja da Lapa chorou‑se por quem partiu, por quem nunca irá aparecer. Eu estive lá, no fundo da igreja. Havia gritos, lágrimas, cheiro a dor. A ti Zirinha segurou a minha mão. Ela também já perdeu o marido, dois filhos e um neto para o mar. Ela sabe o que eu estou a passar. Quero (...)

E tudo o mar levou! - Diário de Mafalda 8 março de 1892

18.03.24, Marta Velha
Livro 'E tudo o mar levou' 8 de março de 1892 A minha vida acabou… As lágrimas que já chorei enchem este mar e outros tantos iguais. O monstro levou‑me quem mais eu amava na vida… Deixou‑me sem nada! Sem nada! No dia seguinte à tragédia tentei acabar com a minha vida! Se o mar tinha levado tudo que me levasse a mim também! A ti Zirinha segurou‑me a tempo! Abraçou‑me com força e disse que eu ia sobreviver. Não acho que isso seja possível. Aquele dia ainda está (...)

E tudo o mar levou! - Diário de Mafalda 20 de fevereiro de 1892

17.03.24, Marta Velha
Livro 'E tudo o mar levou' 20 de fevereiro de 1892 Hoje foi outro dia de espera. Mas por fim o mar acalmou e os homens lá partiram. Hoje passeei pelas ruas do lugar. O Bilhanos acha que estou adoentada. Ando cansada e sempre com sono. Ele preocupa‑se demais. Não me quis ver na praia. Quase que me obrigou a passear um bocado. Mas não sei, sinto‑me estranha. Deve ser por causa das preocupações. Dormi um pouco durante a tarde, acordei com o cheiro a mar e a sal! Era Bilhanos (...)

E tudo o mar levou! - Diário de Mafalda 15 fevereiro de 1892

16.03.24, Marta Velha
Livro 'E tudo o mar levou'   15 de fevereiro de 1892 Finalmente a fúria do maracalmou. Os homens já entraram nas águas e partiram. Mulheres e crianças ficaram nas areias a rezar para que o peixe viesse até eles. E Deus ouviu‑nos! Foi um dia como não há memória. Mais gigos houvesse mais peixe era apregoado nas ruas! Bendito seja Deus Nosso Senhor que nos ouviu! Finalmente comecei junto das outras redeiras a trabalhar. As minhas mãos ficaram feridas, afinal não é tão (...)

E tudo o mar levou! - Diário de Mafalda 10 fevereiro de 1892

15.03.24, Marta Velha
Livro 'E tudo o mar levou' 10 de fevereiro de 1892 O inverno começou agora, forte, destemido, frio, revoltado com os homens. Há dois dias que os homens não saem para o mar. Ficam ali a olhar as nuvens carregadas de fúria e água. As ondas que se levantam são mais altas que o Bilhanos. Abracei‑me a ele com medo. E o vento furioso queria‑nos afastar. O seu rugido era tanto que tive que gritar para ser ouvida. Quis fugir para casa, mas o paizinho e o Bilhanos não me quiseram (...)